Tecnologia brasileira poderá facilitar a detecção do câncer de mama

Brasília, 1º de outubro de 2025.

Conforto, segurança e acessibilidade. Em pouco tempo, essa poderá ser a forma de prevenção do câncer de mama, um dos mais presentes em todo o mundo. Pelo menos é o que espera um grupo de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP) e do Departamento de Engenharia Elétrica do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), liderado pelo professor Bruno Sanches, que utiliza um “transceptor de micro-ondas”, um aparelho similar a um radar que rastreia as propriedades dos tecidos mamários por meio de ondas eletromagnéticas (ondas de rádio, micro-ondas, não ionizantes), similares às de um celular. 

 

Imagem da detecção do câncer de mama utilizando o transceptor de micro-ondas, desenvolvido por pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e do Instituto Federal de São Paulo
Imagem da detecção do câncer de mama utilizando o transceptor de micro-ondas, desenvolvido por pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e do Instituto Federal de São Paulo



Esta é a segunda matéria que aponta alguns dos avanços da engenharia na área médica, especificamente em relação ao câncer de mama, marcando a passagem do Outubro Rosa. Na primeira matéria, o engenheiro mecatrônico João Pinheiro descreveu seu trabalho para estabelecer, ao lado de seu orientador de mestrado, eng. mec. Marcelo Becker, uma nova forma de diagnóstico para o câncer, utilizando a Inteligência Artificial.

Atualmente, a técnica é proposta como complementar às do ultrassom, ressonância magnética e da mamografia, porém ela representa uma possibilidade de informação adicional a desses exames, tidos como invasivos, arriscados e restritos a poucas unidades, em relação a uma população como a brasileira. Representa até mesmo uma melhor detecção da doença em alguns casos. Embora explique que a tecnologia se aplique também para a detecção de AVC, Bruno Sanches ressalta que prefere se dedicar ao câncer de mama, por enquanto, devido ao maior impacto da doença.
 

Engenheiro de Informação Bruno Sanches lidera as equipes responsáveis pelo novo dispositivo
Engenheiro de Informação Bruno Sanches lidera as equipes responsáveis pelo novo dispositivo

Engenheiro de Informação, especializado em sistemas microeletrônicos, Bruno Sanches desenvolve estudos na área de circuitos integrados há pelos menos dez anos, junto aos alunos do curso de Engenharia de Sistemas Eletrônicos.  No seu doutorado em Engenharia Elétrica, entre a USP, o IN2P3/CNRS (França) e o CERN (Suíça) – onde fica o Grande Colisor de Hádrons (conhecido como LHC, Large Hadron Collider, em inglês, o maior acelerador de partículas do mundo) e onde, segundo o professor, diversos experimentos utilizam um dos maiores e mais disseminados processadores já projetados no Brasil, o chip SAMPA, desenvolvido durante o seu doutorado.  

Bom, seguro e barato
O conforto se dá pelo uso – no caso do exame, uma cúpula, uma concavidade onde o exame é feito de bruços. “O funcionamento é similar à configuração mecânica do exame de ressonância magnética das mamas, porém emitindo ondas eletromagnéticas em diversas direções, sem a compressão. O processo de imageamento é diferente da mamografia, que tem uma coleta em um ou dois ângulos. Com as micro-ondas o processo é mais detalhado por utilizar muitos ângulos”, diz, informando que o exame pode durar de 10 a 20 minutos. “A expectativa é de que daqui a alguns anos o exame seja ainda mais acessível, sendo realizado em casa por meio de um aparelho portátil, como um bojo de sutiã. As ondas são transmitidas e processadas por algoritmos para transformá-las em imagens. Tudo digital. Poderemos conseguir aplicar IA depois”, diz. 

A “segurança” se dá pela não utilização de radiação ionizante.  O aparelho “não usa nenhuma de radiação ionizante e também não tem contraindicação temporal, podendo ser usado com qualquer periodicidade. Se for necessário, várias vezes ao ano. A exemplo do celular e com frequências até inferiores ao celular, com poucos miliwatts, essas ondas não têm energia suficiente para causar danos no DNA, diferente do Raio-X, que tem frequência muito alta. A ideia é que não seja perceptível. Ele não esquenta. E já estamos expostos a essa faixa de frequências. É praticamente impossível a sociedade funcionar sem isso nas grandes cidades”.

 

Visualização do novo dispositivo para a detecção do câncer de mama: conforto, economia e segurança
Visualização do novo dispositivo para a detecção do câncer de mama: conforto, economia e segurança

 

De operação igualmente simples, a tecnologia “de radar” faz um “imageamento das mamas”, identificando lesões e tecidos diferentes como o câncer e acaba sendo possivelmente vantajosa para mulheres com mamas mais densas. “São as mamas com maior proporção de tecido fibroso e glandular em relação ao tecido adiposo ou gordura. Elas aparecem mais brancas na mamografia, o que dificulta suas visualizações, gerando imagens em baixa qualidade, manchadas, difíceis de diferenciar-se dos tumores, que são brancos também. Geralmente, a ressonância ou ultrassom são pedidos. O primeiro é ainda mais caro. O segundo, depende muito de seu operador. O nosso sistema permite visualizar essas características dos tecidos e as formas mais densas, como os tumores, com imagens coloridas”, descreve Bruno.

Enfim, o exame se mostra bem mais barato do que as demais alternativas: menos de mil reais em sua versão manual e alguns mil reais em sua versão automatizada. “O nosso é o mais barato do mundo. Um sistema criado a baixo custo, com eletrônica portátil, impressão 3D, justamente para reduzir custos. Mas acredito que o mais importante seja essa sistemática de operação por ondas eletromagnéticas na faixa dos gigahertz, por meio de um aparelho mais portátil, em uma mala de viagem que poderá ser levada a regiões remotas”. Mesmo assim, certamente o valor também deverá estimular interessados em sua comercialização, considerando que um mamógrafo custa centenas de milhares de reais. Bruno Sanches informa que o registro da patente, tanto da versão maior, como da versão portátil automatizada está sendo feito. “Temos que tentar ganhar escala e colocar isso junto”, diz. 

Versões e alcances da pesquisa
Bruno informa ainda que uma parte da equipe da USP trabalha com microchips dedicados para este assunto, outra com o desenvolvimento do sistema e outra com uma alternativa baseada em componentes eletrônicos comerciais. “São todas pesquisas em torno de engenharia de sistemas microeletrônicos. E já têm um longo histórico, um dos primeiros trabalhos que a gente fez, foi entre 2012 e 2013. É uma pesquisa consolidada com dezenas de testes em volta do sistema, envolvendo vários alunos de mestrado e doutorado com artigos em vários periódicos internacionais. Podemos dizer que somos hoje no Brasil um dos grupos mais avançados nesse sistema”, aponta, considerando que a “sinergia” de sua equipe atua na fronteira e com conhecimentos das engenharias biomédica, telecomunicações e microeletrônica. 

 

Circuito integrado é um dos diferenciais tecnológicos da inovação
Circuito integrado é um dos diferenciais tecnológicos da inovação



“Temos recebido contatos de empresas de área de imagens médicas. Mas é muito diverso o caminho que isso pode levar. Ainda não tem concorrência nacional, o desenvolvimento de sistemas e microchips dedicados a essa área é inexplorado comercialmente. Temos alguns alunos trabalhando nisso, algo que requer um investimento considerável. Além disso, a outra forma com que estamos trabalhando é em explorar e esquematizar os sistemas possíveis, os princípios; os projetos de circuitos em si, montando a modelagem da estratégia do sistema, as antenas, como cada peça gira, encaixa, os algoritmos. E ainda como acelerar isso, usando a eletrônica que já existe, de prateleira. Montar o sistema com coisas que existem”, enfatiza. 

O pesquisador esclarece ainda que a primeira versão do exame já era portátil, mas não automática, o que dificultava a questão da execução do exame devido às rotações manuais. “Agora, ele já busca o posicionamento automatizado, gerando mais imagens, com precisão de ângulo muito menor, o que permite usar mais de 100 ângulos”, comenta. A versão automatizada viabiliza os testes clínicos mais facilmente. “Para criar o protótipo, foram investidos alguns milhares de reais. Ele tem uma eletrônica muito fina, incluindo coisas que a gente já faz. Um sistema mais flexível, apesar de a aquisição dos sinais de radiofrequência não ser tão simples”, aponta, referindo-se aos “Projetos de circuitos integrados”, nome de sua cadeira na USP.

Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea